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sábado, 18 de outubro de 2014

Ao Povo Comum,"Vernáculo", de António M. Ribeiro

Ao Povo Comum, "Vernáculo", de António M. Ribeiro (UHF)



"Um dos males de uma Sociedade, é a "inércia" dos seus cidadãos, e a sua incapacidade em se afirmar, enquanto sociedade civil, e ser um "contra-poder" às instituições que destroem um país e o seu povo/sociedade". 



Cansado e parado por dentro 
Sem vontade de escolher um rumo 
Sem vontade de fugir 
Sem vontade de ficar 
Parei por dentro de mim 
Olho à volta e desconheço o sítio 
As pessoas, a fala, os movimentos 
A tristeza perfilada por horários 
Este odor miserável que nos envolve 
Como se nada acontecesse 
E tudo corresse nos eixos. 
Estou cansado destes filhos da puta que vejo passar 
Idiotas convencidos 
Que um dia um voto lançou pela TV 
E se acham a desempenhar uma tarefa magnífica. 
Com requinte de filhos da puta 
Sabem justificar a corrupção 
O deserto das ideias 
Os projectos avulso para coisa nenhuma 
A sua gentil reforma e as regalias 
Esses idiotas que se sentam frente-a-frente no ecrã 
À hora do jantar para vomitar 
O escabeche de um bolo de palavras sem sentido 
Filhos da puta porque se eternizam 
Se levam a sério 
E nos esmigalham o crânio com as suas banalidades: 
O sôtor, vai-me desculpar 
O que eu quero é mandá-los cagar 
Para um campo de refugiados qualquer 
Vê-los de Marlboro entre os dedos a passear o esqueleto 
Entre os esqueletos 
Naquela mistura de cheiros e cólicas que sufoca 
Apenas e só -- sufoca. 

Estou cansado 
Cansado da rotina 
Desta mentira que é a vida 
Servida respeitosamente 
Com ferrete 
Obediente 
Obediente. 

Estou cansado de viver neste mesmo pequeno país que devoram 
Escudados pelas desculpas mais miseráveis 
Este charco bafiento onde eles pastam 
Gordos que engordam 
Ricos que amealham sem parar 
Idiotas que gritam 
Paneleiros que se agitam de dedo no ar 
Filhos da puta a dar a dar 
Enquanto dá a teta da vaca do Estado 
Nada sabem de história 
Nada sabem porque nada lêem além 
Da primeira página da Bola 
O Notícias a correr 
E o Expresso, porque sim! 
Nada sabem das ideias do homem 
Da democracia 
Atenas e Roma 
Os Tribunos e as portas abertas 
E a ética e o diálogo que inventaram o governo do povo pelo povo 
Apenas guardam o circo e amansam as feras 
Dão de comer à família até à diarreia 
Aceitam a absolvição 
E lavam as manápulas na água benta da convivência sã 
Desde que todos se sustentem na sustentação do sistema 
Contratualizem (oh neologismo) o gado miúdo 
Enfatizem o discurso da culpa alheia 
Pela esquizofrenia politicamente correcta: 
Quando gritam, até parece que se levam a sério 
Mas ao fundo, na sacristia de São Bento 
O guião escrito é seguido pelas sombras vigentes.  

Estou cansado 
Cansado da rotina 
Desta mentira que é a vida 
Servida respeitosamente 
Com ferrete 
Obediente 
Obediente. 

Estou farto de abrir a porta de casa e nada estoirar como na televisão 
Não era lá longe, era aqui mesmo 
Barricadas, armas, pedradas, convulsão 
Nada, não há nada 
Os borregos, as ovelhas e os cabrões seguem no carreiro 
Como se nada lhes tocasse -- e não toca 
A não ser quando o cinto aperta 
Mas em vez da guerra 
Fazem contas para manter a fachada: 
Ah carneirada, vossos mandantes conhecem-vos pela coragem e pela devoção na gritaria do futebol a três cores 
Pelas vitórias morais de quem voa baixinho 
E assume discursos inflamados sem tutano. 

Estou cansado 
Cansado da rotina 
Desta mentira que é a vida 
Servida respeitosamente 
Com ferrete 
Obediente 
Obediente. 

Estou cansado, pá 
Sem arte, sem génio, cansado: 
Aqui presente está a ementa e o somatório erróneo do desempenho de uma nação 
Um abismo prometido 
Camuflado por discursos panfletários: 
Morte aos velhos! 
Morte aos fracos! 
Morte a quem exija decência na causa pública! 
Morte a quem lhes chama filhos da puta! 
- E essa mãe já morreu de sífilis à porta de um hospital. 
Mataram os sonhos 
Prenderam o luxo das ideias livres 
Empanturraram a juventude de teclados para a felicidade 
E as famílias de consumo & consumo 
Até ao prometido AVC 
Que resolve todas as prestações: 
Quem casa com um banco vive divinamente feliz 
E tem assistência no divórcio a uma taxa moderada pela putibor. 

Estou cansado, pá 
Da surdez e da surdina 
Desta alegria por porra nenhuma 
Medida pelo sorriso de vitória do idiota do lado 
Quando te entala na fila e passa à frente 
É a glória única de muita gente 
Uma vida inteira... 



A canção está incluída no disco novo da banda de António Manuel Ribeiro, A Minha Geração. 
Ouça-a aqui e leia a letra. UHF - " VERNÁCULO (PARA UM HOMEM COMUM) "

Os portugueses UHF incluíram, no seu mais recente álbum, uma canção intitulada "Vernáculo", cuja letra representa uma crítica a vários aspectos da política e sociedade do nosso país. 



Um povo ignorante é o instrumento cego da sua própria destruiçãoSimón Bolívar



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